O pesadelo do primeiro dia de aula

Flávia Ramalho
3 min readSep 16, 2020

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Ariel se vê numa cabine de banheiro de escola. Ela sente que estuda lá. Seus olhos estão inchados. Ela sente a vergonha bater. Por quê? Por que ela sentia vergonha?

Ela se lembra. Ariel viu os olhos que a acompanhavam enquanto corria até ali. Eles a olhavam como uma coisa. Ela se sentia uma coisa.

“O universo não costuma sorrir para mim”

De repente, o lindo canto de um passarinho invadiu seus ouvidos. Ela já o ouvira anteriormente. Ela olha para frente, em busca daquele som que magicamente preenchia seus ouvidos.

E então ela vê uma menina em pé, parada na porta da cabine. Ela diz: “se você quiser, a gente pode se juntar e se vingar e fazer ela passar uma vergonha maior ainda.” Ela vê seu vestido azul bebê de tule… seus cabelos cacheados presos em duas meias tranças… mas, quando vai olhar seu rosto, uma luz invade sua visão, forçando-a a fechar os olhos.

Ao abrí-los, novamente, ela está sentada com sua vó pintando. As duas estavam trabalhando em um mural repleto de constelações na parede. Ela lembra desse dia em suas memórias de infância. Sua vó dizia “o universo vai estar a seu favor enquanto você fizer suas próprias escolhas”. Mas, dessa vez, ela não disse isso. Quem fala é Ariel, de novo:

“O universo não costuma sorrir para mim”

“E daí?” responde Serena, ainda pintando.

“O que eu posso fazer quando tudo que está acontecendo é contra mim?!” diz a menina, exasperada.

Serena sorri docemente. “E desde quando isso te impediu de fazer qualquer coisa?” disse, sem interromper sua pintura.

Ariel olha para as estrelas na parede. Olha para aquele bando de aleatoriedade formando imagens e sentido. Tudo a partir de suas conexões. Quanto mais se ligavam, mais brilhava, a ponto de se tornar impossível de ver. Ela fecha os olhos mais uma vez.

Ela está de volta no banheiro, sentada na privada. Sua vó está parada de frente para ela, onde antes estava a menina de vestido azul. Ela escuta, dentro de sua mente, a voz de Clarice, uma garota que conhecera no dia anterior, dizendo: “se bem que… a gente não pode entrar no jogo dela.”

A porta do banheiro é aberta com um chute, fazendo um estrondo enorme. Serena olha na direção do som e seu rosto se enche de surpresa com o que vê. Ariel sabe que a pessoa está vindo em direção à cabine, mesmo sem vê-la.

“Esse tipo de pessoa quer exatamente isso, desestabilizar.” Era a voz de Clarice de novo.

A figura aparece ao lado de sua vó. É Tarsila, sua mãe, o rosto contraído de ódio.

“Eu te avisei”, ela berrava, “eu falei que você ia só causar vergonha pra sua família de novo.”

“A gente tem que tomar o controle da situação” Foi a última frase que ela ouviu na voz de Clarice, antes de ver sua mãe irromper para dentro da cabine e dar um tapa na sua cara, acordando-a do pesadelo.

Ariel acordou com o lado esquerdo do rosto queimando.

Arte feita por Ariel Nora

Ariel Monteiro é uma personagem de Glitter Hearts -Ensaio para o Futuro.

Ela é uma Sonhadora, ainda tentando descobrir como os fios do destino e as areias do tempo continuamente escorrem pelas suas mãos.

O Universo não sorri para ela, mas talvez ela consiga forçar esse sorriso. É só conectar as estrelas.

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Flávia Ramalho
Flávia Ramalho

Written by Flávia Ramalho

Professora, escritora, jogadora. O resto são cores e flores.

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